sábado, 23 de julho de 2011

Cineclubes em Salvador

Cineclubes em Salvador

Conheça um pouco do movimento de cineclubes em Salvador, que vai de exibição de filmes raros à mobilização para a democratização do cinema
Júlio Domingos, em sessão do Cine Clube Roberto Pires. Créditos da foto: Nelson Cerino.
Começa assim: alguém pensa em um filme interessante de que gostou e deseja que outros vejam, depois comenta com um amigo, a partir daí nasce uma conversa, um debate com o outro, discutem com o grupo e depois decidem qual filme será exibido. O objetivo é compartilhar, é saber do que não se sabia antes, ver o que não é comumente visto. Conhecer cineastas, filmes e ideias que não eram conhecidas por todos. O que não é exibido nas salas de cinema comerciais não fica esquecido nas locadoras, ou nas estantes dos colecionadores; são vistos por aqueles que participam de uma atividade que é comum e tem uma história longa, mas que muitas vezes é esquecida ou deixada de lado: o cineclubismo.
A possibilidade de ver o que não é exibido comumente nos circuitos comerciais é o que motiva muitas pessoas a participar de um cineclube. Para Tiago Alves, produtor cultural e integrante do cineclube Roberto Pires, o cineclube é importante para quem gosta de cinema por conta da diversidade de termas, filmes e vídeos que podem ser discutidos. “Quando tem muitos pensando, tem sempre alguém que traz uma sugestão que o outro não conhecia, sejam filmes asiáticos, ou até mesmo vídeos produzidos ali no seu bairro, na sua comunidade”, afirma. Esse caráter de compartilhar o que se sabe, para ele, se expressa no ato de “levar filmes que não estão passando na TV, que não se encontram fácil numa locadora, ou em lugar nenhum, a não ser com o dono de um vídeo”.
Mas cineclubismo não é só exibição. Para Tiago o mais importante é o caráter coletivo dos cineclubes: “Assistir a um filme, num cineclube, nunca é uma ação solitária. A gente pensa junto em qual filme vai passar, corre atrás para preparar a exibição, divulgação, e depois discutimos o filme, senão logo após o término da sessão, mas mais tarde no barzinho, ou no dia seguinte, ou nas listas virtuais de discussão”, conta. Para Ramon Coutinho, historiador e integrante do Roberto Pires, as discussões que fazem partes das atividades do cineclube também são importantes. “Acredito no cinema, não apenas como diversão, como um contador de histórias, mas como fonte artística questionadora, capaz mover reflexões que possam extrapolar o próprio espaço cinematográfico”, defende.
Em relação aos cineclubes atuais, o professor e crítico de cinema, André Setaro, se mostra pessimista. Para ele, as ações cineclubistas tiveram o seu auge na década de 50 e 60, depois disso, começaram a surgir outros cineclubes, mas que se mostraram efêmeros. “Naquela época não se tinha oportunidade de ver certos filmes em lugar nenhum. Hoje em dia o cineclube não tem mais sentido. Com o advento do DVD e da internet, os filmes se tornaram mais disponíveis”, opina. Para Setaro, ainda que a proposta do cineclube não seja apenas de exibição, as atividades de cineclubismo podem ser caracterizadas como tentativas condenadas ao fracasso: “Pode haver cineclubes que organizem bem os debates e que possam funcionar, mas atualmente, numa cidade como Salvador, com a locomoção difícil, a violência, as tentativas feitas de cineclube não são bem sucedidas, com raras exceções”.
Gleciara Ramos - Diretora regional do Conselho Nacional de Cineclubes
Cineclubes como militância e ação social
O cineclubismo pode ser encarado, também, como militância em favor dos direitos do público e como uma forma de democratização do cinema.  Para Gleciara Ramos, diretora-regional do Conselho Nacional de Cineclubes, “o Brasil carece de salas de exibição, a maioria das salas de cinema está nos shoppings e o preço do ingresso faz com que não seja acessível para todos”. É esse caráter de democratização, para Gleciara, que demonstra a importância dos cineclubes nos bairros e nas associações de moradores: “Os cineclubes são compostos por pessoas que se juntam para ver filmes e discuti-los. E tem a característica de ser democrático, porque é a comunidade que vê os filmes que decide quais filmes irão ver”.
Para Gleciara o direito do público está ligado ao direito à diversidade cultural e ao direito à informação e á cultura. O movimento cineclubista, segundo Gleciara, contribui para essas questões. “Os cineclubes, hoje, com a tecnologia digital, têm condições de produzir pequenos documentários e curtas. Ou mesmo ficções sobre a realidade da comunidade em que estão inseridos. Isso possibilita ter o olhar de dentro e não só o olhar de fora, falando sobre uma determinada comunidade, como na maioria das vezes acontece”.
Quem faz a articulação entre as comunidades e os editais do governo que incentivam a formação de cineclubes, em Salvador, é o Conselho Nacional de Cineclubes. O Conselho é uma associação sem fins lucrativos que surgiu na década de 60 e teve uma grande atuação na ditadura militar. O Conselho foi reaberto em 2004, depois de ter encerrado as suas atividades na época do governo Collor. Tem como objetivo, também, organizar programações coletivas em todo o Brasil. Na Bahia, atualmente, existem 54 cineclubes filiados ao Conselho. A direção regional Bahia-Sergipe é a responsável por criar as equipes que acompanham esses cineclubes.  “A função da direção regional é organizar o cineclubismo em sua região. Dar o suporte teórico, técnico, organizacional, fazer reuniões, convocar os cineclubes para decidir as questões”, explica Gleciara.
Um pouco de história
O cineclube na Bahia surgiu na década de 1950 com a formação do Clube de Cinema da Bahia por Walter da Silveira.  “O Clube de Cinema foi fundado no sentido educativo, no sentido de uma formação de plateia a fim de que os baianos pudessem conhecer os filmes, por exemplo, do neo realismo italiano, ou do realismo poético francês. Walter da Silveira teve esse trabalho de exibir os filmes, além de fazer um pronunciamento antes deles”, conta André Setaro.
Foram nos clubes de cinema que os cineastas e intelectuais baianos, como Glauber Rocha, Roberto Pires, Orlando Senna e José Umberto Dias, na década de 1950, tiveram acesso a importantes obras do cinema e travavam discussões sobre as obras exibidas. É nesse contexto que surge o Ciclo Baiano de Cinema que resulta na realização de importantes obras do cinema baiano.
Veja, abaixo, o vídeo em que o professor Setaro nos conta um pouco da história do cineclube na Bahia.
História do Cineclube na Bahia
Saiba mais: http://www.lupa.facom.ufba.br/

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